Paredes
Não está como eu me lembrava. Parece menor, mais velha, mais estranha. A salinha é suja e solitária. As paredes brancas, hoje são de um tom de bege com toques de cinza, o mofo parece ter se divertido por aqui. A cozinha é antiga. O corredor continua o mesmo, escuro, como se a qualquer momento você fosse ser atacado. Quando éramos crianças e ficávamos neste quarto, ele parecia infinito. Hoje, é só um quartinho três por dois.
A sala, ainda grande, me parecia o primeiro posto avançado a ser atacado numa guerra. Ali está a porta, marrom e fechada. A porta, estreita, com o pequeno vitral sem desenhos. Me parece resistente o suficiente. É só mais uma sala com uma porta. Por que todos aqueles sonhos, então?
Quando eu assistia a um filme e aparecia alguma personagem com um sonho recorrente, eu até revirava os olhos. Revirei até começar a acontecer comigo. Agora, eu só desligo a televisão e tento não pensar nisso.
— Você precisa ir até lá o mais rápido possível — disse minha mãe com as palavras sendo interrompidas a todo momento.
— E vou te deixar aqui, sozinha?
— Ah, minha querida, já passamos muito tempo juntas. Você precisa pensar no futuro. Ver o que deve ser reformado para a sua mudança.
Eu nunca discuti muito com minha mãe. Depois que ela foi internada, nem penso nisso. Se ela diz que a única posse que nos resta é aquela, eu acredito e vou para lá. Tenho que deixá-la, ela insiste, já que a qualquer momento ela vai me deixar. Será que se eu tivesse contado dos meus sonhos, ela ainda me mandaria para tal lugar? Ela entenderia? Ou ela diria "Aconteceu há vinte anos. Como ainda pensa nisso?" Mas eu penso, eu sinto, meus sonhos me fazem viver aquilo de novo.
Ao parar o carro, logo vejo o azul desbotado, as grades descascadas, as janelas de madeira meio brancas. A porta, a porta marrom e fechada. Na sua frente, aquela varanda pequena cercada por muros baixos. Sempre foram baixos. Até mesmo quando eu era criança, eles me pareciam baixos. Era por isso que ele tinha pulado. E o Robertinho, tão mirrado, tinha conseguido pular. E aquele grupinho que ficou bebendo e fazendo a maior algazarra. A vó, andando devagar e com esforço, teve que ir lá pedir para saírem. Às vezes, só parecia que alguém tinha pulado. Na verdade, as pessoas só estavam esperando ônibus naquela esquina, mas as vozes eram altas e assustadoras. Todos os primos ficavam com medo.
Deveria ser meu lar. Nunca o fora nos dias de glória, mas deveria ser agora, nos de ruína. Uma boa faxina e a cozinha ficará usável. Todos os cômodos precisarão de tinta. As janelas terão que ser trocadas por outras de metal reforçado. As portas são de madeira maciça? Melhor trocar para ter certeza.
Esperei vinte anos para resolver o mais óbvio problema de arquitetura que somente eu parecia ver.
— A senhora quer fazer uma parede aqui, é isso? — pergunta Seu Zé encostado no muro baixo.
— Quero toda essa parte fechada. A gente nunca entra na casa por aqui mesmo.
— Certeza? Tão bonito, isso que dá charme à casa.
— Absoluta. — Ele me olha espantado.
— A senhora sabe que sempre foi assim, né? Com esses muros baixos.
Não será mais assim. Nunca mais. Ninguém mais irá pular ali. Ninguém mais vai assustar a criançada que estiver aqui. Nem ele vai me segurar pelos braços de novo. Mamãe e a vó nunca mais terão que vir correndo e me separar dele. Nunca mais vão levar socos e empurrões. As vozes altas e assustadoras vão se silenciar agora. Eu não vou precisar da porta marrom mais. Terei uma parede.
Ao voltar, vejo minha mãe sentada na cama. Está corada e risonha como se fosse ano passado, antes de tudo acontecer. Ela me chama para um abraço.
— Deixou tudo lindo por lá?
— Dentro, sim. Só fiz uma mudança do lado de fora.
— Vai erguer paredes na varanda?
— Como sabia?
— É preciso, para conseguir seguir sozinha.